quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

A Geografia do Prazer


 
 
OS MAPAS DO TESOURO


Subimos e descemos montes e vales, sempre em busca dos tesouros perdidos entre a névoa da manhã e o circular vertiginoso pelos itinerários principais em direcção às cidades interiores. As novas rodovias são um descanso para os olhos que, assim, podem tactear mais facilmente a paisagem, percorrendo-a, palmo a palmo, em busca de um lugar onde as mãos possam disfarçar o frio que sempre as entristece.

Descemos até à barragem e contornámos a albufeira para, depois, nos perdermos no silêncio de quilómetros de uma mata escura onde, como dedos, os troncos dos pinheiros sobressaíam, soberbos, por entre a neblina que a aragem da serra começava a dissipar. O sol da manhã já queria aquecer as cores do fim do Outono, mas as mãos, essas, ainda hesitavam entre o silêncio e o calor que as envolvia. Até que sossegaram no lugar justo, enquanto a manhã se aproximava do fim. Aí permaneceram até que as nuvens da tarde, acasteladas num horizonte cinzento para os lados do poente, anteciparam o regresso da chuva e da saudade. Saudade de tudo. Por isso seguimos viagem contornando sempre a água que marejava os olhos, como se contornássemos uma albufeira de sensações, até que, por fim, vimos as próprias sensações elevar-se da aquática miragem e inundar o rosto todo.

Que ilhas de esperança poderemos descobrir por entre a neblina que se dissipa a montante e a jusante desta barragem? Que líquido prazer é este de viajar, sem rumo, pelas estradas marítimas dos nossos anseios? Que tesouros se escondem na palma das mãos, quando estas desenham, de cor, nos mapas imaginários da memória, as rotas das grandes viagens à volta de nós mesmos? 


Augusto Mota, texto 93 de «A Geografia do Prazer», 1999

Sem comentários:

Enviar um comentário